sexta-feira

O tempo da memória

Recebi intuição. Deveria ir visitar minha avó paterna, as últimas notícias que tive dela eram da pressão sempre alta.

Quando cheguei no sítio, depois de 3 meses sem ir até aquele lugar, morando no coração de uma cidade de médio porte, foi como ser tragada para um outro tipo de existência, por um túnel de memória de coisa boa e coisa que não tão boa, mas que foram da vida até aqui.

Olhando minha vozinha, que de alguma forma na minha cabeça de criança e de adulta sempre teve feições de heroína, minha vozinha velhinha, frágil. Bateu no fundo de mim uma saudade de um tempo que passa cada vez mais rápido. Da grande casa em que a família se reunia. Umas das memórias mais vivas de Natal em família que tenho foi de um natal excepcionalmente passado por lá. Lembro da reza pela noite a fora, da devoção com que a simplicidade celebrava Jesus Cristo.

Depois me lembro do rancho sempre cheio de gado, da retira do leite, da feitura do queijo. Da maravilhosa máquina debulhadeira. Como adorava entrar no paiol e sentir o cheiro de milho seco, deitar na montanha de espigas ainda com palha, depois rodar aquela manivela da máquina com toda força enquanto alguém ia jogando as espigas já sem casca e ver aquele chuva amarela como ouro acumulando uma montanha de milho para as galinhas.

E como minha avó sempre dizia que desperdiçávamos o precioso milho crioulo.

Lembro da cabra chifruda que me perseguia pelo terreiro, do chiqueiro com porquinhos, das pontes e das flores que minha avó sempre plantava.

Lembro da quitanda de biscoitos com 15 mulheres assando a vida, os biscoitos e se dando força. Ah! E o cheiro da casa nesse dia era um sonho infantil.

Lembro do pavor que sentia no dia de matar os porcos que gritavam. E do cheiro do moinho de pedra, do som que ele fazia quando acionado, milho e pedra, que dava em fubá.

Lembro dos gansos que corriam atrás de nós e depois nós atrás deles, das galinhas e da quentura dos ovos recém postos. Dos pintinho em fila e de um peru que as vezes por milagre aparecia no terreiro para virar comida em pouco tempo.

Ah! E tinha o dia de varreção do terreiro, íamos até o mato colher vassourinha, com bambu eram feitos cabos e tudo era limpo, separado, varrido.

E quanto era dia de doce, descascar pêssego, laranja e cidra. Lavar o tacho de cobre na bica com sal, limão, areia e palha de milho. Bater o figo em um saco com sal grosso para tirar os pelos e depois 3 dias cozinhando o doce de figo no fogão de lenha. Das queimaduras quando fazíamos goiabada e pessêgada.

Quando chovia era hora de desentupir o cano e com enxada subíamos até a primeira caixa d'água para arrumar a água.

A tarefa chata de levar almoço para o meu pai e quem mais estava capinando o milho no alto do morro. Oh! Dar de mama para os bezerros que perderam a mãe era disputadíssimo, assim como soltar bezerros para mamar e ficar olhando eles balançando os rabos, felizes.

Misturar o farelo no cocho com o capim e a silagem, a sensação de enfiar a mão no capim recém picado.

Mexer o queijo que cozinhava e comer a massa ainda quente, que belezura.

Beber leite no pé da vaca.

Ter medo do caminho em que os corpos de bezerros mortos eram jogados.

Uma tarde especialmente bela da infância foi quando meu pai foi capinar um roçado e achamos ossos de vaca que viraram ossos de dinossauro.

O fogão de lenha, a dispensa! O grande baú onde a comida seca era guardada.

As idas religiosas do meu avô até a vila todo domingo.

O cheiro impagável dos cavalos, a sensação de cavalgar, o rio grande.

Tudo ali retumbando. E uma saudade de ser simplesmente.


Observando a casa da minha Vó Nadir, que hoje mora na vila e não mais no sítio, me deparei com uma foto pendurada na parede: eu ela e no meu irmão.

E me dei conta do amor que a mantém viva e que nos mantém vivos.

O tempo implacável passa e nós passamos com ele.

O que vale é o que se tem nesse meio tempo. A potência que gestamos ao sentir o peso de cada coisa, de sentir os ritmos e as belezas humanas e naturais.

As vezes é preciso voltar ao início para seguir em frente.

Sou tanto dessa terra! O sangue fala mais alto disse minha madrasta. O rio grande é meu sangue, esse lugar me chamou de volta, fui concebida, gestada e nascida na Mantiqueira, nas montanhas.

Fosse outro lugar não tinha vindo. Fosse outra mãe e outro pai tinha desistido no meio do caminho.

Meu início foi potente e belo. E é disso que preciso para continuar em 2015.

Que venha o tempo, os anos e o que mais for. Que venha toda a força da vida.

E que nesse caminho que eu tenha potência e coragem para realizar algo de bom nessa terra.






sábado

Mídia, catarse, vingança: a torcedora gremista.

É, o título é pesado porque pesado se fizeram os acontecimentos dos últimos dias.

Há algum tempo, acompanho, um pouco assusta, o poder que a mídia tem criar ódios. É bem provável que eu esteja aqui tecendo conjecturas sem fim, mas, de tempos em tempos, surgem (são criados) esses seres odiosos. Nós, o povo, pedimos sangue, a justiça ouve e nos devolve sangrias sem fim. No final de um mês, temos dois sentimentos no peito o de que o mundo é um lugar muito ruim e o de que nosso clamor por "justiça" (que é vingança) foi atendido.

Sem pé nem cabeça? Pois, vou citar alguns exemplos.

(!!! Atenção!!! Antes de mais nada, acredito que o que eles fizeram foi errado e que seus atos deveriam ter consequências. Se a prisão é como nossa sociedade (doente) resolveu tratar isso, que sejam julgados dentro do sistema de garantias constitucionais e presos.)

Os Nardoni, aquele casal simpático e amoroso, que tinha uma filha que estava fazia muito barulho e resolveu, que jogá-la da janela do prédio, era de fato uma ideia eficaz.

Naquele momento tínhamos um acontecimento esdrúxulo e cruel! Tínhamos olhos voltados para o fato, acima de tudo, tínhamos uma oportunidade de pensar questões muito importantes sobre nossa sociedade! Sobre como objetificamos tudo, sobre como o individualismo floresceu pútrido. Se quiséssemos poderíamos discutir até a própria essência do sistema capitalista!
Mas, não! Como sociedade escolhemos crucificar aquelas pessoas. Desejamos vingança, sangue, morte. Agimos como abutres.

TODO o resto foi esquecido só importava que eles, o outro, fossem exterminados da face da terra. Porque assim, seríamos melhores. Ninguém olhou as próprias práticas, ninguém foi capaz de olhar as pessoas. Criamos monstros, eles fazem monstruosidades, matamos os monstros.

Depois temos o Lindenberg! Aquele garoto machista que matou a namorada. Outro monstro, esse, criado pelo machismo. Mais uma vez perdemos a chace de reconhecer as questões de gênero, que reconhecer o machismo na sociedade brasileira. A mídia nesse caso foi ainda mais cruel porque se interferiu nas negociações do garoto com a polícia. Porque Lindenberg era um garoto com uma arma na mão desesperado porque a namoradinha o rejeitou. Desesperado porque aprendeu que um MACHO não é rejeitado. Ensinaram a ele que a mulher com que ele se relaciona é dele e não pode nunca rejeitá-lo.

TODO o resto foi esquecido só importava que ele, o outro, fossem exterminados da face da terra.  Porque assim, seríamos melhores. Ninguém olhou as próprias práticas, ninguém foi capaz de olhar as pessoas. Criamos monstros, eles fazem monstruosidades e matamos os monstros.

O mais novo caso  é o da mocinha gremista que despejou (como muitos fazem) seu racismo em campo (e fora dele) e deu o azar de ser filmada. Essa moça é racista? Sim, ela é! Como a maior parte da sociedade brasileira é racista.
Demonizar essa moça não resolve o problema do racismo. Pelo contrário, enquanto apontamos o racismo da mocinha, postamos no facebook, estamos de novo (pasmem de novo!) fazendo esse movimento catártico que nos exime de responsabilidade.

Poderíamos estar discutindo como a sociedade, TODA, é racista. Poderíamos olhar nossas práticas, as práticas dos estádios, refazer nosso dicionário de xingamentos e consubstanciar outras práticas sociais. Mas não! Demonizamos a moça. A tratamos como se todo racismo do mundo estivesse nela, e quando conseguirmos exterminar essa moça, o racismo terá acabado e dormiremos num mundo melhor.

TODO o resto foi esquecido só importava que ele, o outro, fossem exterminados da face da terra.  Porque assim, seríamos melhores. Ninguém olhou as próprias práticas, ninguém foi capaz de olhar as pessoas. Criamos monstros, eles fazem monstruosidades e matamos os monstros.

Veja bem, em todos esses casos não defendendo que a pessoa não é responsável pelo que fez ou que ela é um mero produto ou que deveríamos ser condescendentes com nenhuma das atitudes acima. Essas pessoas precisam ser responsabilizadas pelo que fizeram. (Não que a prisão seja o caminho, mas essa é outra história e outro lugar.) Apenas, não devemos transformar essas pessoas em monstros que quando eliminados também eliminam todo "mal" do mundo.

Dessa forma perdemos oportunidades de fazer discussões, de trazer a tona assuntos que são tabu. Reforçando essa práticas de alguma maneira.

Aproveito para deixar aqui minha solidariedade a tod@s as mulheres negras e homens negros que sofrem com o racismo diariamente. Deixo minha solidariedade por essa luta que também é minha, porque enquanto houver injustiça e descaso no mundo do qual faço parte, essa injustiça e descaso também são minha responsabilidade.



domingo

Tanta coisa no mundo

Faz uns dias uma espécie de melancolia ultra sensível se apoderou de mim.

Uma gatinha que foi lar temporário aqui em casa foi devolvida depois de 5 meses por ter quebrado um vaso e alguns copos dos antigos donos. Toda vez essas demonstrações de descaso e de objetificação do que é vivo me acontecem fico bem chateada.

Não porque acredite que bichos são mais importantes do que gente ou que pessoas que maltratam animais devem ir presas (é perverso prender,é vingativo. Pessoas que maltratam animais deveriam ser responsabilizadas através de pagamento de multas e de prestação de serviços. Sem contar que a prisão está falida desde sempre (vide Foucault).

Descartar um ser vivo que está vivendo com você há 5 meses, seja bicho ou gente demonstra como nossa humanidade está frágil. Transformamos seres em coisas e jogamos fora quando não mais nos convém. Fazemos isso com criança, mais obviamente quando crianças adotadas são devolvidas, mas também com as crianças paridas, quando relegamos a criança ao "cuidado" da televisão, ao cuidado de avós (cansou da boneca viva sabe?) e das babas.

Ter bichos é inconveniente: eles fazem barulho, estragam coisas, fazem coco, as vezes eles ficam doentes, as vezes você não pode viajar porque não tem quem cuide ou não pode pagar. Eles são vivos e demandam atenção.

Ter filho é também extremamente inconveniente, além de fazerem tudo que um bicho faz, vivem muito mais anos e demandam muito mais atenção e afeto. Você vai precisar ficar uns 20 anos da sua vida educando a criatura, pra começo de conversa.

Mas o ponto principal é que não temos bichos ou filho pela conveniência. É por todo o resto, pelo amor incondicional, pelos pequenos momentos que valem a vida.

Enquanto escrevo, meu dois gatos estão ao meu lado, apertadinho no meio da minha bagunça, só porque querem estar por perto. Pela presença deles em todos os momentos, passei a achar graça quando me acordam as 6 da manhã para pedir comida ou quando tenho que limpar as caixas de areia.

Ainda não tenho filhos, mas sei que existem incontáveis motivos para tê-los.

A vida sempre dá trabalho porque só se vive na imperfeição, no caminho, no fazer, não existe vida no que está acabado e pronto.

Mas a vida pode dar trabalho para um lado ou para outro. Eu sei que não devemos nos focar apenas no individuo culpabilizando e apontando, o outro como nós, só é no social e nós como sociedade temos que saber disso.

Mas tem dias em que temos que respirar fundo três vezes e procurar a beleza que não se fez óbvia.

A beleza que só é beleza quando nós a olhamos assim bela.

Excelente semana a todos!

Comida, gênero e outras cositas mas.

Confesso que durante a semana pensei em muitas coisas para escrever aqui. Mas hoje a cabeça ficou oca e está difícil enchê-la com alguma coisa.
Mas vamos, lá.
O que ficou de diversas divagações nos caminhos para os lugares foi essa ideia de que precisamos retomar toda questão alimentar em nossas mãos.

Desde de que me entendo por gente comida foi uma questão, seja porque sempre tive problemas com o meu peso reais e imaginários. Seja porque minha mãe se importou  muito com a nossa alimentação quando éramos crianças. Seja porque quando fiquei totalmente vegetariana as pessoas se incomodavam muito com esse assunto. Alias só pra constar,tenho uma regra pessoal muito importante: "Cada um come o que bem entender." Não sou a favor da patrulha da comida, sabe aquela pessoas que fica "Ih você come isso?", "Ih você como aquilo", se é um adulto posso conversar, dar dicas e falar sobre a minha opinião sobre aquilo, mas sem patrulhar ninguém.

Enfim comida é uma necessidade básica precisamos comer todos os dias, ou deveríamos,  e que nos mantém vivo, saudáveis e com energia para estar no mundo. Mas, a modernidade fez com que tudo que seja relacionado as necessidades mais primitivas fosse negligenciado ou transformado em negócio bilionários e nesse caso, genocidas.

A maioria de nós não tem a mínima ideia de onde vem, como são feitas, quem faz ou planta, quais os ingredientes dos alimentos que comemos. O assunto é extenso e dá ensejo para muitos escritos, mas temos alguns dados: somos o país que mais consome agrotóxicos no mundo, cada brasileiro médio come 4,5 l de agrotóxico por ano (Abaixo deixo alguns links para matérias e documentários sobre o assunto.). Não bastasse consumimos muito, mais muito mais açúcar e sal do que deveríamos e estamos acostumando nossas crianças a isso. Sem contar que fora isso não cozinhamos nossa própria comida, não nos damos ao trabalho de buscar alimentos mais vivos, mais locais e mais saudáveis.

Logo, vem a turma do sem radicalismos. Tudo bem sem radicalismos cada um dá conta da suas próprias escolhas, mas se você está começando a buscar novas formas aqui vão algumas dicas que uso todos os dias para me alimentar.

1. Procure comer frutas e legumes da época, isso significa que mesmo em sistema convencional (com agrotóxicos) é mais provável que a coisa esteja um cadinho menos contaminada. O ideal é se alimentar exclusivamente de alimentos orgânicos ou biodinâmicos ou agroecológicos.

2. Procure consumir coisas locais ou de perto de você, ninguém na face da terra vai me convencer que é melhor comer o cogumelo do himalaia do que a alface de um produtor amigo, isso é importante porque fortalece quem está perto e faz com que você consiga sempre se alimentar de produtos frescos.

3. Toda vez que bater aquela preguiça e dar uma vontade de desistir pense o seguinte: se alimentar de alimentos altamente industrializados (basicamente tudo que se vende no supermercado) e cheios de agrotóxicos é o mesmo que tomar um gole de veneno todo dia, se você não toma esse gole de veneno porque raios comeria esse veneno misturado na comida?

4. Tome cuidado com os modelos prontos que tendem a ser bem radiais, experimente o que te faz bem, leia sobre o assunto, não existe uma fórmula mágica, existe sim sensibilidade para perceber o que faz bem a cada um.

5. Não vale a pena fazer nada disso se você sofre com isso. Não adianta ficar, sei lá, sem tomar leite se você olha por leite e delira de vontade. Se é uma coisa que você deseja parar de fazer, passe pelo processo, vá diminuindo, vendo como seu corpo reage. Temos que nos alimentar com alegria e simplicidade.

6. Tem coisas que não tem jeito, ou você assume o risco de comê-las ou desiste.

7. E o mais importante seja feliz fazendo o que faz, assuma com respeito e tranquilidade as suas escolhas.

Alimentar-se é ato diário e é muito necessário que olhemos pra isso com mais amor e responsabilidade logo! Precisamos trocar a farmácia por uma quitanda orgânica.

O gênero e as cositas mas ficam para domingo que vem.

Segue como prometido links sobre os mais diversos assuntos divirtam-se e boa segunda-feira!

http://ecycle.com.br/component/content/article/35-atitude/1843-dossie-abrasco-brasil-maior-consumo-agrotoxico-pesticida-herbicidas-fungicidas-inseticihttps://www.youtube.com/watch?v=8RVAgD44AGgdas-mundo-contaminacao-doenca-populacao-leite-materno.html

https://www.youtube.com/watch?v=8RVAgD44AGg

https://www.youtube.com/watch?v=fyvoKljtvG4

https://www.youtube.com/watch?v=8UGe5GiHCT4





De novo a divisão dos afazeres da casa.

O que me trouxe aqui hoje foram várias situações que me saltaram aos olhos: Mulheres, algumas inclusive provedoras, independentes, com companheiros companheiros e com outro paradigma de relação tem se expressado no sentido de que todo (ou a maioria) o trabalho doméstico da casa é delas.

Machismo, feminismo e gênero, há quem não goste desses termos e não queria discutir essas questões. Homens e mulheres que olham para o outro lado quando o assunto é como nossa sociedade ainda se pauta em diferenciações depreciadoras sobre papéis que os gênero assumem e como alguns trabalhos relacionados as coisas mais básicas e essências da vida como alimentação, roupas limpas e um mínimo de organização são trabalhos menores e portanto das mulheres seres que são "especialmente" dotados dessa capacidade mágica de jogar as coisas no lixo, organizar o guarda-roupa, cozinhar, pegar numa vassoura e varrer a casa, de lavar a louça e não deixar restos de comida no fundo da pia, de guardar a louça, de chegar em casa tirar a roupa, sapatos e não deixá-los jogados em qualquer lugar.
Enfim, coisas absolutamente mágicas que os homens seres muito maiores que essa banalidades, que precisam de tempo para descansar, para ver um futebol, para ficar tranquilo, para estudar e ser parte de grandes invenções da humanidade, que os homens, que muitas vezes são tratados como eternos bebezões nesses aspectos, não possuem, essa a capacidade mágica que a mulheres tem ser uma "dona de casa".

Peraí, cara-pálida no estilo mais laureano de ser, eu sou mulher e desde pequenina me ensinaram que depois de lavar a pia a gente enfia a mão naquela água cheia de restos, limpa o ralo pra água descer e espera ali pra tirar tudo que ficou no fundo e deixar a cozinha limpinha, me ensinaram que roupa a gente dobra antes de guardar e que se eu, menina-mulher, não fizer dessa maneira, sou uma desleixada. Minha vó, querida demais, me fazia varrer a casa tantas quantas vezes fossem até eu aprender que se varre os mínimos cantinhos e não "onde a vista passa". Eu como menina-mulher, não tinha a mamata de poder largar minhas roupas e coisas em qualquer lugar e sair correndo, eu acho até que menina não corre na verdade. Quando era desleixada com alguma coisa me chamavam a atenção, em hipótese alguma ouvi a desculpa "é porque menina é assim mesmo, liga pra nada".

Quando eu e meu companheiro decidimos morar juntos, foi um longo (e chato) caminho até conseguirmos dividir as tarefas igualmente (talvez ele faça um pouco mais), até que ele ganhasse um senso de organização, até que a faxina se tornasse chato mas necessário, até que gordura não fosse jogada na pia e muitas outras coisas. Coisas que ele não se importava ou não sabia porque não foi ensinado, como eu.
Nós assumimos a árdua tarefa de dividir as tarefas domésticas, desde as compras de comida que fazemos juntos, as roupas lavadas, a louça, o lixo, a limpeza, tudo nós dividimos, pois ele é responsável por sua existência doméstica, não eu.
Ele mora na casa e responsável por ela como eu, limpa, cozinha e arruma. Cama, mesa e banho.
Meu companheiro sabe que cada vez que a parte dele da sujeira fica pra mim, isso me sobrecarrega de tarefas, ele sabe que no mínimo não é justo que eu gaste todo o meu tempo livre limpando a nossa sujeira e arrumando nossas coisas.

Dá trabalho, é chato, discutimos mas é necessário que cada um comece a fazer o mesmo. É um ato político e vivo, porque cotidiano, em que devemos insistir.

Primeiro, precisamos retomar o doméstico em nossa mãos e fazê-lo parte da vida e depois precisamos urgentemente dividir as tarefas entre homens e mulheres.
(Vale lembrar que essa de não sei fritar um ovo e sou foda por isso não adianta, viu colega? Afinal, terceirizar sua sujeira para outra mulher, que faz isso na casa dela, não muda o problema central.)

Não adianta querer um novo mundo se nos escondemos atrás de velhos papéis confortáveis e seguros.

O assunto, pode-se dizer, anda na boca do povo, mas por onde olho, vejo o quanto estamos a passos de formiga.

Vale lembrar, que os processos e subjetividades envolvidas devem ser respeitadas, ok?



segunda-feira

E nem sei por onde começar.

Pois é a semana começou.
Domingo, dia de descansar criar força e coragem, gestar a semana.
Segunda-feira, para mim um dia feliz, em que a semana vai se ajeitando, os contatos vão sendo feitos, as novidades, os planos antigos tudo vai se misturando, tomando forma e crescendo na gente.

Estive pensando esses dias, passados num pra lá e pra cá e na construção de uma vida diferente, cheia de pequenas graças e tempo, no auge dos meus 23 anos (é pouco eu sei); ninguém mostra nada pra gente sobre o mundo. Seria tão melhor se as pessoas parassem de contar e passassem a deixar viver e sentir o mundo.

Primeiro, o que me aflige porque me é tão próximo: a universidade e o que ela significa, ninguém deveria ficar depressivo, aturdido e cheio de anseios sobre a universidade que não representa a vida, que pode ser instrumentalizada, mas que é tão pouco. Nem uma pessoinha deveria ouvir o quão importante é a universidade porque depois dela estaremos melhores, que é a partir do momento em que nos formarmos que somos adultos e que o esse é o futuro que devemos viver.

Não me contaram o que era se formar, não me contaram que o único futuro é o presente e que a vida se faz caminhando. Nem falo aqui da minha família, de sangue e do coração, que sempre me apoiou, falo do mundo da conversinha que dorme entre um dia e outro na rua e no mundo.

Eu entrei direto na universidade numa das melhores universidades do país (UNESP) e me formei com algum mérito em um curso invejado que abre as portas para o "maravilhoso" e "único mundo possível" dos concursos públicos.

Sou bacharel em direito. Cursei uma universidade badaladíssima e adivinha? Nada de portas se abrindo porque fiz uma universidade pública de "qualidade", nada de nada.

As portas se abrem sim, mas por outros motivos, abrem pela generosidade imensa de muitas pessoas que encontrei em Juiz de Fora, de outras pessoas que sempre estiveram comigo e que me apoiam mesmo quando não concordam comigo. E principalmente se abrem quando construímos chaves e batemos delicadamente e insistentemente naquilo em que acreditamos, ser aquilo que somos dá força.

A verdade é que nessa nova caminhada me sinto segura, não porque sei o que virá amanhã, não porque sei que estou no caminho certo, mas porque sinto que estou fazendo o que eu acredito ser o correto para mim, porque as vezes, nessa nova vida, eu tive que escolher me encolher e conformar ou saltar de olhos bem abertos e eu sinto que saltei, confiando absolutamente na providência, e quando puder distinguir o que vi, gostei.

Todos os dias quando acordo primeiro gratidão aos que me possibilitam estar aqui, coragem e fé na providência e um pouco de força para ser sem medo os meus sonhos transformados no mundo.

E viva!


quinta-feira

As grávidas e suas barrigas

Tem coisas que assombram a gente.

Pois é, hoje em dia, quando vejo uma grávida andando por aí, me vem uma pergunta que se faz na cabeça, antes que eu tenha tempo de olhar para o outro lado: como esse neném vai sair dessa barriga?

Não sou mãe, não pari ainda, talvez um dia até resolva (ou a vida resolva por mim). Sou mulher e me relaciono com isso com todo os meu estômago, útero e ovário. E, talvez mais que isso, fiquei sabendo faz pouco tempo como o minha mãe foi vítima de violência obstetrícia no meu parto.

Faz um tempo olho pra isso, pros partos, os movimentos de nascer, de vir ao mundo e encontrei tanto desgosto. Veja o documentário: Renascimento no parto, se prepare é uma viagem a terra dos nascimentos sem humanidade e na volta fica a vontade-dever de fazer diferente. Uma coisa louca que dá na gente, de gestar e parir, em casa, um mundo diferente, um mundo em que a cesárea que pode salvar seja exceção e que as crianças nas salas de aula digam umas as outras que elas nasceram de parto natural em casa.

Voltando.

Quando vejo uma grávida tenho a imensa vontade de chamá-la para um chá e contar sobre como um outro parto é possível, sobre como os médicos, por conveniência ou falta de informação, não sabem auxiliar o parto. Que o parto dela não deveria ser roubado por uma cesárea.

Queria pegar na mão dessa mulher e dizer: você tem tudo que precisa para parir, tem o corpo perfeito e a natureza toda a seu favor. (nota mental, talvez eu acrescente doula na lista de coisas que quero ser nesse mundo em alguma vida).

Mas eu não posso sair por aí falando com pessoas na rua sobre seus partos. Em um mundo ideal, o meu mundo ideal, eu poderia, não nesse.

Fica então a prece noturna, as intenções no mundo, os pedidos pro meu anjo da guarda dar uma palavrinha com o anjo dela e do neném... E fica a torcida.

Por um mundo em que grávidas representem só uma imagem bonita, um momento de festa e a promessa de uma pessoa nessa terra.

Por um mundo de mais amor e menos produção.

Por um mundo que em grávidas não me assombrem.

Por um mundo de parto humano!

Vamos aumentar os pontos

Faz um tempo, vem crescendo uma coceira nas mãos de voltar a pintar, bordar e a escrever.

Resolvi então voltar a aumentar pontos por aqui.

Vou escrever semanalmente sobre tudo que anda me cutucando na vida, que tem me jogado pra lá e pra cá. Muitas vezes, tenho me sentido a deriva em mar que se revolta dentro do peito e acalma um pouco, mas não tanto assim.

É a busca de viver uma vida viva (grata a querida Nina Veiga que traz essa imagem tão exata do que sinto). Quero uma vida viva, com tempo pras coisas simples, pra estar e ser.

Cansei de tentar sobreviver, quero viver!

Então, se quem conta um conto aumenta um ponto, chegou a hora de aumentar bem os pontos nesse espaço da internet aqui um pequeno blábláblá e desabafo sobre coisas do mundo que estou sendo.

Bem-vindos!