quarta-feira

O paradoxo do tempo: o grande nó incompreensível

Pois bem, esses dias me rendi à tecnologia e necessidades da época e comprei um smartfone. É uma maravilha, falei mais com meus amigos em um dia do que no ano em que estou morando na distante Juiz de Fora.

Mesmo sendo maravilhoso esse contato """mais de perto""", não posso deixar de ficar quase embasbacada pelo paradoxo do tempo, porque venhamos e convenhamos o melhor mesmo era ter tempo e dinheiro para visitar esses amigos com mais frequência.

Pois bem, se puderem me acompanhem vamos voltar 100 anos atrás. Veja bem estou falando em meros 100 anos, que mesmo na história da humanidade é um tempo pequeno.

Há 100 anos atrás as pessoas acordavam e sabiam como o dia seria, sabiam quando iria chover, quando iria fazer frio, o tempo que tinham na vida, a maioria das pessoas costurava, fazia sua própria comida e criava bem mais do que 1 ou 2 filhos, muitas pessoas ainda moravam na roça e isso significa que ainda cultivavam os alimentos e as que moravam na cidade tinha pequenas hortas. A maior parte do tempo era ocupado por necessidades básicas, como se alimentar, vestir e criar filhos. Não existia internet, computador, smartfone, rede financeira internacional... As pessoas tinham a vida inteira a quantidade de roupas que tenho em 6 meses e veja bem eu não tenho tantas roupas assim.

Não estou falando aqui de um saudosismo de que o tempo passado era melhor, o fato é o tempo era outro e que ocupávamos  tempo com atividades essencialmente produtivas e ligadas a vida. Tenham em mente existiam muitas mazelas no passado. Fiquem sempre atentos.

Era uma vez...

O homem com sua habilidade incrível desenvolveu a tecnologia, lembre-se a tecnologia não se desenvolveu sozinha, fomos nós, humanidade que a desenvolvemos.

Economistas como Keynes anteviram a possibilidade de diminuição das horas de trabalho para que as pessoas ficassem livres, para qualquer coisa, talvez artes, talvez estudos, talvez hortas, talvez dormir... Mas o que aconteceu foi justamente o contrário, não que o setor produtivos, digo de necessidades básicas, não esteja cada vez mais precisando de menos pessoas devido a automatização. Mas porque criamos outros trabalhos bem mais escravizantes. Criamos os serviços! A maior parte das pessoas está empregada hoje em serviços, não em atividades produtivas reais, mas em serviços. E não se enganem existem milhares de serviços possíveis, temos até aquela pessoas que vai na sua casa trocar uma lampada. 

 Com a combinação  serviços  mais tecnologia nunca trabalhamos tanto porque agora estamos conectados o tempo todo e somos falsamente necessários 24 horas por dia, o grande irmão de George Orwell já vive entre nós, não devido a uma ditadura mas porque abrimos as portas para ele, de bom grado. E sinto informar ninguém escapa.

Já não importa se realmente precisamos de um smartfone, um computador, de internet, de tantos serviços. 

Agora nós precisamos, é a maneira pela qual nos tornamos altamente dependentes de coisas imaginárias e também é a maneira quase depravada que as pessoas encontraram para se comunicar, para mantes laços.

Oh pobre de nós, mulheres e homens, que precisamos das máquinas para manter laços de afeto! Tempos tristonhos.

Já não importa se nos tornamos analfabetos corporais, que não sabemos mais (e não queremos saber porque aparentemente não tem importância alguma) como plantar, como costurar, como fazer comida, trocar a lampada ou limpar a casa.

No momento temos que reaprender tudo de novo, temos que tomar o tempo em nossas mãos.

Já não importa se o modo de produção é aniquilador da vida, que o desastre ambiental e social são iminentes.

Agora temos que arcar com o peso das consequências das ações humanas.

E o pior ou melhor é que devemos fazê-lo coletivamente, se não é escusa de consciência. Pois bem, só pode ser brincadeira né não? Pergunta o ego ensandecido, desvairado de desgosto. E a consciência do Eu me responde, to brincando não. É isso mesmo.

Todo o esforço de mudança só vale se for COLETIVO e ASSOCIATIVO.

Quero dizer, meu caro, não adianta nada acordar mais cedo na quarta-feira para fazer feira de produto orgânico, não adianta nada fechar a torneira, deixar de consumir certas coisas para diminuir o lixo, fazer composteira, se isso ficar no âmbito particular. (Vish Maria!)

O uso extensivo da tecnologia nos fez esquecer de algo bem básico: não são as coisas que suprem nossas necessidades, mas outras pessoas que fizeram com que aquela coisa existisse. Quero dizer, sem o pedreiro, o marceneiro, a costureira e até mesmo o operador de sistema que aperta o botão para sua internet funcionar, nada existiria.

Ou seja, mudanças estruturais só são possíveis coletivamente.

E na verdade não tem problema nenhum fazer essas coisas por escusa de consciência, eu mesma faço. Talvez eu consiga imaginar que estou comprando para a terra milésimos de segundo a mais e para humanidade um pouco de princípios.

O problema é fazer só isso. Além de fazer essas coisas por escusa de consciência eu me engajo em movimentos sociais, procuro sempre participar de construções coletivas, sempre proferir discursos transformadores e nunca me fazer de indiferente às situações ao redor.

E dá um trabalho sem fim, as vezes esgota, e dá uma vontade de prestar um concurso publico e tocar o fada-se. Porque a própria existência nunca foi tão paradoxal, existir nunca foi tão parecido com não existir. O desespero pungente dentro de nós, não tem como apagar, não tem como esquecer.

O grande desafio da época é estar no olho do furação, no caos da ruína é saber que não é possível antever o futuro, mesmo que ele esteja lá como consequência implacável de nós mesmos.

Nei Matogrosso cantava"Quem tem consciência para ter coragem?", com todo o respeito possível, o que faria mais sentido hoje é o inverso "Quem tem coragem para ter consciência?".

O desafio é como levantar todos os dias sabendo que sua ação no mundo pode e provavelmente não vai resultar em nada. E que esse nada pode fazer toda a diferença.

Uma querida me diz "As pessoas querem mudar só não sabem como.", penso com meus botões só se muda mudando (com o perdão da obviedade) e mais a mudança é imprevisível, o impulso que governa esse ser não tem dono, não se controla. Fazemos uma força de consciência enorme para mudar, sem sequer saber aonde vamos parar.

O que sinto que já sei é que estamos no meio do apocalipse. Que para bem ou para o mal as mudanças serão drásticas do ponto de vista da história da humanidade.

Silêncio.

(Que não é silêncio, pois nunca se está em silêncio na cidade.)

Silêncio.

Um último suspiro:

Estamos doando tempo às armar erradas apostando na tecnologia, para ganhar nosso tempo de volta precisamos a cada dia novo apostar nas pessoas.


Primavera nos dentes
Quem tem coragem para ter consciência.
Quem tem a força de saber que existe
E no centro da própria engrenagem
Inventa contra a mola que resiste

Quem não vacila mesmo derrotado
Quem já perdido nunca desespera
E envolto em tempestade, decepado
Entre os dentes segura a primavera







Nenhum comentário:

Postar um comentário