sexta-feira

Partiu desse mundo Sô Zé

A graduação na UNESP foi um dos momentos mais felizes da minha vida. Foi na UNESP que virei gente, que encontrei amig@s maravilho@s e que construi ao lado de tanta gente boa uma boa parte do que sou hoje.

Quando alma fraqueja e os olhos escorrem saudades, a lembrança daqueles dias acalenta o coração aflito de tanto mundo, doído de tanta maldade.

Hoje, meu "livro da face" está repleto de relatos saudosos sobre o dono de um bar, que foi frequentado pela UNESP velha guarda. Penso que por todo o tempo em que a UNESP Franca foi no centro da cidade, o bar do So Zé foi uma espécie de pátio estendido em que as pessoas beberam suas alegrias e tristezas.

Mas não é exatamente pelo álcool que estamos todos comovidos, é pela acolhida, pela carinho e pela docilidade que seu Zé sempre dispensou a todos nós.

Os relatos são emocionantes e embeleza a existência saber que tantas pessoas genuinamente amaram seu Zé, reconheceram seu valor e sua bondade.

Seu Zé é o que eu chamo de invisível-visíve, uma sentinela da existência de todos nós que ajudava a dar sentido há uma vida tão árida e cheia de batalhas invencíveis. A existência do bar do seu Zé em que as pessoas eram batizadas (eu fui batizada no seu Zé com a famosa farmacinha, por favor não me perguntem...), isso é depois da farmacinha você tinha definitivamente chegado na UNESP, era um alento e a prova de que ainda existia bondade, de que estávamos de alguma forma ainda lá, transitando na memória daquele lugar.

Quando o bar do seu Zé foi fechado, ele um senhorzinho julgado e condenado por tráfico e logo depois o prédio foi demolido, perdeu-se um pedaço da existência de cada um na atrocidade do sistema penal que perversamente engoliu sua vida.

Seu Zé, um homem amável, gentil e amado, partiu deixando as vidas de tantos tão mais esquecidas. Tão mais solitárias.

Eu mesma sou de uma geração de unespianos que esbarrou no seu Zé, frequentei pouco o bar perto de outras pessoas que passaram a graduação lá. O que mais me aterroriza em sua partida não é a morte em si, mas a certeza de que o tempo é capaz de carregar os nossos mais preciosos encontros, é capaz de construir e desconstruir castelos inteiros. E tudo que parecia sólido e seguro, é na verdade frágil e num piscar de olhos pode não estar mais lá.

A dor de perder nossa querida sentinela é essa a dor do esquecimento, da solidão e da eterna saudade que carregamos dos tempos da UNESP, do tempo em que plantamos todas as sementes do que somos agora militantes, advogados, professores, assistentes sociais e por aí vai.

Que seu Zé essa querida sentinela de todos nós vá em paz e que sua nova morada seja melhor do que aquela em que os "homens de bem" o colocaram. Que haja alivio para a dureza que ele foi obrigado a enfrentar no final da vida.

E seu exemplo nos inspire e que nós possamos também ser para alguém sentinela do tempo, alento em noite escura, conselheir@.


quinta-feira

Os trabalhos insignificantes, a educação, o mito de sísifo e a dura realidade do todo dia.

Hoje comecei bem o dia lendo um texto do professor David Graeber, sobe o fenômeno dos trabalhos insignificantes, o texto pode ser encontrado no original aqui e numa versão traduzida aqui.

É um excelente texto que diz muito do que penso sobre o assunto, mas gostaria de tocar em um outro ponto bem inquietante para mim: se todos temos uma boa noção da insignificância dos nosso trabalho e da sua inutilidade patente, por que continuamos nos submetendo a isso? (Ok, nem todo mundo nasceu em berço de ouro e pode se dar ao luxo). Mas o que nos impede de olhar para isso arregaçar as mangas e enfrentar a vida de outra maneira?

Pensando nisso, vou atrás de Camus e o seu mito de Sísifo configurado em absurdo e da força que não cultivamos para ir para frente.

Antes:

Diz Steiner que a questão social que permeia a educação é a seguinte: como educar para que o ser humano possa a partir de suas próprias forçar transformar os nãos da vida em sins? Como educar para empoderar e para que seja possível que o ser seja o que é?

Eu não tenho bem certeza de qual é essa resposta ainda. E pretendo passar o resto da vida tentando descobrir. Mas uma coisa eu tenho certeza essa educação que está aí não é a resposta.

E não estou falando de escolas publicas somente, estou falando de "boas" (e caras) escolas particulares que massacram infância, crianças e vidas.

O que já sei é que uma educação que empodera não passa apenas pelo pensar, passa antes pelo querer e pelo sentir. E principalmente pelo brincar livre com brinquedos simples, silenciosos e com objetos de verdade. Imagine o desespero de muitas mães e pais vendo um menino com uma enxada, um facão... diz:
"O dialogo com aquelas matérias primas do trabalho da vida comunitária é real, não é uma foice de plástico, não é uma imitação de uma foice, é uma foice isso faz com que a criança se permita a ser, a interagir com o mundo. O peso da matéria precisa ser real porque a imaginação reconhece o percurso, se a matéria é falsa a imaginação desconfia do percurso e não cria elo e não cria conexões."
 Gandhy Piorskye
Pois, bem voltemos desconfio aqui com meus miolos que uma "educação" devastadora cria seres humanos infelizes e incapazes de transformar não em sim. Ainda mais com o não que vem que é avassalador e cruel até o último fio de existência.

Entra Camus e seu mito de Sísifo que na verdade é um mito grego. A história de Sísifo é mais ou menos assim: Sísifo era um homem que trapaceou os deuses do Olimpo e a morte. Sua punição foi rolar uma pedra até o alto de um morro todo dia, mas lá no topo do morro ele perde a força e ela volta lá para baixo, no dia seguinte ele tem que recomeçar tudo de novo. 

E esse é o absurdo de todos os dias. Diante da dor desse absurdo o que podemos?
Vejo três opções: Se afogar em qualquer coisa para esquecer (trabalho insignificante, álcool, facebook, consumo). Viver em estado de constante revolta e ódio. Ou enfrentar o fato, arregaçar as mangas (exercitar a vontade!) e fazer algo significativo mesmo que isso seja ao final um trabalho de Sísifo. O desgaste da rocha eventualmente  a torna mais leve. No caminho encontramos pessoas que ajudam um pouco e se nada disso acontecer você ainda terá feito algo melhor.

A beleza da vida é que ela apesar de se parecer com a história é muito mais vicejante. Ela se reinventa quando nos reinventamos.

No entanto, para a terceira opção é preciso muito mais força, mais integridade e mais trabalho. É essa opção que a educação atual mói. Estamos em franca campanha militar de "gente arrasada".

Fazemos na escola terraplanagem de criança (expressão da querida Nina Veiga) e depois nos perguntamos porque as pessoas são tão planas.

Como uma pessoa pode imaginar e criar um futuro diferente se dela foi sistematicamente tirado toda a capacidade? Diga-me!

Mas então não tem saída. Ah! A humanidade!

Sempre tem saída para a humanidade. A todo momento é possível se reinventar, se transformar e ir. Sei que a saída de hoje é coletiva. Vamos juntos então?