quinta-feira

O que os smartfones nos roubaram.

A cada dia que entro no ônibus, ando nas ruas, entro num elevador ou paro para olhar as pessoas ao redor, eu tenho a certeza de que estamos perdendo, e muito drasticamente para a tecnologia, nossa capacidade de humanidade.

Os smartfones roubam de nós a capacidade de conversar com pessoas nas ruas. Não pedimos mais direções sacamos os nossos poderosos mapas do bolso, que traçam rotas e nos mostram exatamente onde estivemos durante o dia, não falamos mais sobre a chuva, sobre a criança risonha, sobre o aperto da vida, enfiamos nossas caras na tela e o mundo desaparece.

Também roubam nossa possibilidade de tédio, de "mente vazia oficina do diabo" como dizia minha avó. Somos cada vez mais incapazes de ficar a toa. Mesmo quando estamos a toa, estamos a toa no facebook, no e-mail, no episódio da série de TV ou na novela. O tempo todo estamos falando com as pessoas que não estão perto e ignorando as que estão. Afogados por um mundo interno avassalador.

Roubaram-nos a audição. Quantas e quantas vezes eu pedi licença para uma criatura que estava com o fone de ouvido enfiado na orelha. Ela não me escutou, mas principalmente ela não queria me escutar, ela queria ser deixada em paz.

Roubaram a nossa capacidade de observar o real e o concreto. De saber onde estamos, que chão pisamos, de reconhecer os rostos daqueles que não farão parte da nossa vida diretamente, mas que estão ali, guardiães de uma história por contar, que nos é negado o conhecimento. Não se sabe onde está nada, perdemos o senso de direção, a capacidade de falar e interagir para os smartfones.

Viver na cidade se tornou mais solitário, mais hostil, mas enganosamente autossuficiente (nunca somos autossuficientes), somos um grande exercito massificado de adoradores de smartfones.

Parecemos aquele burrinho  que o dono segura a cenoura na vara e vamos adiante, sempre buscando algo que nunca chega, a promessa da felicidade, da realização. A promessa de existir, a promessa de que você será magicamente reconhecido por suas habilidades mágicas por que você é especial, a promessa de existir.

A promessa de existir para alem do reflexo da pequena tela do smartfone.

A promessa de existir para outras pessoas imaginadas.

A promessa da vida que nunca chega, no absurdo cotidiano do sempre fazer de novo.

A promessa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário